Agricultura e mudanças climáticas: o que esperar no futuro?

A discussão sobre mudanças climáticas é antiga e longa. Por se tratar de um tema polêmico, é importante que se tenha em mente quando algumas evidências sobre o aquecimento global começaram a aparecer. E não foi neste século.

 

No ano de 1824, o francês Jean Baptiste Fourier afirmou, com base em cálculos, que a Terra seria muito mais fria se não existisse atmosfera. Verificou-se, então, que a temperatura média do planeta era de 15°C. Caso não existisse a atmosfera seria de -18°C.

 

O que provocaria o aquecimento natural do planeta são os chamados gases de efeito estufa, identificados pelo irlandês John Tyndal, em 1859. Tyndal descobrira que gases como o dióxido de carbono e o metano aprisionam a radiação infravermelha, criando o chamado efeito estufa.

 

Se a concentração de CO2 aumentasse, poderia aumentar a temperatura do planeta. Tal teoria foi comprovada em 1896 por Svante Arrhenius, que mostrou que a temperatura do planeta aumentaria em 5°C, se houvesse o dobro da concentração de CO2 na atmosfera (lembrando que, naquela época, o CO2 estava em torno de 250 ppm (partes por milhão) e hoje se encontra em 403 ppm).

 

Visando verificar a evolução da concentração de CO2 na atmosfera, em 1958 o norte-americano Charles Keeling montou uma estação de medição de CO2 no alto do Monte Mauna Loa, no Havaí, e verificou que as concentrações de gases na atmosfera estavam crescendo. Essas medidas continuam sendo feitas até hoje.

 

Em 1988, o climatologista da Nasa James Hansen, em depoimento no Senado dos Estados Unidos, afirmou ter certeza de que o aquecimento global teria dimensões catastróficas. Nesse mesmo ano, o IAG/USP promoveu o primeiro encontro sobre mudanças climáticas no Brasil. Discutiu-se de tudo e, principalmente, que a certeza quanto ao aquecimento era pequena, mas que a concentração dos gases de efeito estufa estava aumentando. Nesse mesmo encontro, a Embrapa apresentou um estudo mostrando os efeitos na agricultura se houvesse o aquecimento ou o resfriamento do planeta. Ambos teriam impactos negativos, dependendo da dimensão temporal.

 

No ano de 1988, foi criado na ONU o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). Com o objetivo de evitar a interferência perigosa das atividades humanas no clima, em 1992, no Rio de Janeiro, foi assinada a Convenção Quadro da ONU sobre mudanças climáticas, por meio da qual os países presentes se comprometeram a relatar suas emissões de gases de efeito estufa. A consequência disso foi, em 1997, a assinatura no Japão do Protocolo de Kyoto, sem a adesão de importantes países como os EUA, a China e a Austrália, entre outros.

As pesquisas continuaram, e o relatório do IPCC de 2001 indicou cenários de aquecimento de 1,4 °C a 5,8 °C até o ano de 2100. Tais cenários, no seu limite superior, aproximaram-se da hipótese de Arrhenius estabelecida em 1824.

 

O Protocolo de Kyoto avançou e entrou em vigor em 2005, sem o apoio da Austrália e dos Estados Unidos. No mesmo ano, o furacão Katrina arrasou Nova Orleans, nos Estados Unidos. É importante lembrar que, em 2003, quinze mil óbitos foram registrados na França por ondas de calor.

 

A polêmica continuou, apesar das fortes evidências do aquecimento e, em 2007, o IPCC afirmou que o aquecimento global é inequívoco. Mais tarde tais afirmações foram seguidas por diversos dirigentes mundiais, incluindo o presidente dos Estados Unidos, todos os dirigentes europeus e a ONU.

 

O fato é que a concentração de CO2 está aumentando com fluxo de 3 ppm/ano, podendo chegar no ano de 2030 a cerca de 440 ppm. Não se conhece ainda claramente as consequências. Mas os cientistas não se cansam de, a cada ano, traçar novos cenários de posse de novos dados, inclusive vindos de um satélite americano, colocado em órbita para medir as alterações do CO2 na atmosfera da terra.

 

Ora, é conhecido que água, luz, temperatura e CO2 são os principais fatores reguladores da fotossíntese. O aumento de qualquer um destes pode provocar o desequilíbrio de outro. Exceto a luz solar, todos são dependentes do aquecimento do planeta. Portanto, temperatura e CO2 podem alterar o funcionamento de uma planta.

 

Em termos de agricultura, tanto o excesso como a redução de todos esses fatores podem alterar a produtividade das plantas. A temperatura elevada aumenta a retirada de água do solo pelas plantas. Isso pode, em espaço de tempo menor, aumentar a deficiência hídrica, tendo consequências importantes na redução da produção.

 

Todos esses fatores estão inter-relacionados. Ou seja, o aumento dos gases de efeito estufa aumenta a temperatura, que aumenta a demanda por água, cuja disponibilidade, reduzida por evapotranspiração (pois é dependente da temperatura) vai interferir diretamente na produtividade das culturas.

 

Tal situação provocará uma nova geografia da produção agrícola no mundo e no Brasil. Em 2008, estudos feitos pela Embrapa e Unicamp sobre a nova geografia da produção agrícola no Brasil, foram concluídos e incorporados no livro Economia da Mudanças Climáticas. Tais estudos estavam coerentes e comparavam as teorias defendidas pelo relatório Stern, apoiado pela Inglaterra, que indicavam as possíveis hipóteses de impactos sobre o aquecimento global na economia mundial. A conclusão foi de que o Brasil perderia até 2040 o equivalente a um PIB, isto é 6,2 trilhões de reais se mantivesse a política da inação, ou seja, nada fazer para minimizar os efeitos do aquecimento global.

 

Nas simulações dos possíveis cenários, o que se estima é redução de 40% na área de baixo risco de produção de soja e de 33% de café arábica. A área de produção de mandioca no Nordeste será reduzida e se deslocará para a região Norte. Por sua vez, haverá aumento na produção de cana-de-açúcar, que poderá dobrar. Cenários como esses foram estabelecidos para Algodão, milho, milho safrinha, trigo, sorgo, cevada e fruteiras temperadas. Ou seja, mantidas as condições atuais de manejo de culturas e oferta de material genético não tolerantes a altas temperaturas e deficiência hídrica, o futuro é incerto.

 

Tais condições aconteceriam no restante do planeta? No continente africano poderá ocorrer diminuição da produção agrícola, redução na disponibilidade de água, aumento de doenças de plantas, expansão da desertificação, extinção de animais e plantas. Na Ásia, poderá ocorrer diminuição da produção agrícola e diminuição da já escassa disponibilidade de água em regiões semiáridas. E na Europa, poderá ocorrer o desaparecimento de geleiras dos Alpes (redução da irrigação natural) e aumento da produção agrícola. Na América do Sul, poderá ocorrer diminuição da produção agrícola e aumento expressivo dos vetores de diversas doenças de plantas. Na América do Norte, a produção agrícola poderá aumentar em algumas regiões, com possibilidade de duas safras anuais, mas poderá ocorrer aumento dos vetores de diversas doenças de plantas.

 

São cenários incertos e que devem ser evitados o quanto antes. A questão é: tem solução? Como será a agricultura do futuro, diante dos inerentes impactos do aquecimento global?

 

Prevalecendo o bom senso e sendo adotadas as corretas medidas de adaptação, os sistemas de produção agrícola baseados em culturas solteiras, com grandes extensões de plantio de soja, Algodão e milho, estarão condenados. Pelo simples fato de que o tempo de utilização da propriedade agrícola é muito pequeno, e o balanço de energia é negativo; isto é, consome-se mais energia para produzir do que a energia produzida. Num plantio de soja, este tempo é próximo de 42%. No restante do tempo, o solo fica emitindo gases de efeito estufa e aumentando a concentração de CO2 na atmosfera.

 

A migração para sistemas consorciados, rotativos e integrados é questão de tempo. O avanço de sistemas integração lavoura-pecuária e lavoura pecuária floresta deverá dominar a paisagem agrícola brasileira. Isso corresponde a mais eficiência produtiva e uso intensivo do solo, com reduzida emissão de GEE ou mesmo remoção de GEE. A pecuária deverá utilizar sistemas integrados e intensivos, aumentando sua produtividade e com maior eficiência reduzindo as emissões do rebanho e a área de produção. A busca por raças mais tolerantes a temperaturas elevadas e a ondas de calor será imperativa. A conexão de sistemas produtivos integrados com raças mais tolerantes irá fortalecer definitivamente a importância dos estudos de ambiência animal.

 

No setor florestal, o futuro aponta para maior eficiência e crescimento de plantios florestais, seja de florestas comerciais, florestas multiuso com espécies exóticas e nativas consorciadas, e sistemas agroflorestais, todos com alta capacidade de remoção de carbono. A discussão de paisagens agrícolas sustentáveis terá seu lugar, uma vez que poderá gerar renda por meio de pagamentos de serviços ecossistêmicos.

 

Os produtos, para vencerem as barreiras não tarifárias, irão buscar certificações ambientais, associando a produção agrícola a serviços ambientais, seja na remoção de carbono seja na conservação de água.

 

Espera-se um extraordinário avanço da biotecnologia na busca por espécies tolerantes a altas temperaturas e deficiência hídrica. Há um forte interesse de direcionar as ciências genômicas para compreensão das respostas das plantas às mudanças climáticas. Ou seja, o impacto das mudanças climáticas ocorre sobre múltiplos níveis da organização biológica. Pouco se sabe como esse impacto afeta os processos moleculares, bioquímicos e fisiológicos, que determinam as respostas numa cadeia produtiva que vai do indivíduo a ecossistemas globais. Os processos e estudos serão baseados na busca e identificação de variedades mais adaptadas, resistentes ou tolerantes aos estresses abióticos, decorrentes das mudanças climáticas; descoberta de mecanismos moleculares que irão mediar a adaptação de tais estresses e, finalmente, a identificação de genes envolvidos em adaptação com valor biotecnológico. Esses genes com elevado potencial para adaptação existem em abundância na biodiversidade brasileira, o maior armazém de genes tolerantes às mudanças climáticas do mundo.

 

São cenários que nos parecem factíveis, mas na condição de se conseguir controlar a emissão de gases de efeito estufa. Caso a temperatura ultrapasse o nível de mais de dois graus de aquecimento, o conhecimento científico existente hoje entrará numa rota de desconhecimento cientifico. Não se sabe o que poderá acontecer. O certo é que, considerando a oferta atual de material genético vegetal e animal, estaremos chegando nos limites da produção agrícola. Daí a necessidade de migrarmos de uma produção agropecuária para uma produção agroambiental.

 

Sob esse aspecto, as oportunidades para o Brasil são extraordinárias.

 

Fonte: Embrapa

Foto: Ampasul

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